quarta-feira, 29 de junho de 2016

DEMOCRACIA EM REGRESSÃO?


Por ser universal e implicar um processo decisório de temas concretos, não há, numa democracia de massas, mecanismo mais democrático do que o referendo para traduzir a vontade dum povo.

Na segunda conferência que publicou em “A Teoria do Todo”, Stephen Hawking conta que foi preciso esperar até 1922 para que o físico russo Alexander Friedman enunciasse pela primeira vez a possibilidade do universo estar em expansão. Trata-se duma ideia que sete anos depois viria a ser confirmada pelas observações de Hubble e que até Einstein torneou em 1915, quando enunciou a teoria da relatividade.

Partindo desta constatação, hoje em dia dada como certa, Hawking questiona se haverá um limite à expansão, se o movimento não chegará a um ponto zero, a partir do qual começará a inverter-se numa atração mútua resultante da força gravitacional.

Esta possibilidade de a uma expansão se seguir uma regressão, é um modelo interessante e conduz-nos a uma dialética que pode ser aplicada em vários sentidos. Lembrei-me disto a propósito da evolução que teve a ideia de democracia, desde que começou a ser teorizada na modernidade e se foi universalizando ao longo da contemporaneidade.

A partir do século XVIII, as ideias iluministas foram levando a que, pelo menos em teoria, na Europa se começasse a abandonar o absolutismo puro e a governar “pelo povo mas sem o povo”. Este movimento político ficou conhecido como “despotismo iluminado” e em Portugal teve o seu expoente no Marquês de Pombal. É a partir desta ideia que começa uma lenta caminhada, com avanços e retrocessos, tendente a colocar a soberania nas mãos do cidadão.  

Quando participamos dum processo eleitoral, esquecemos muitas vezes de que para aqui chegar foram precisas algumas revoluções e que o direito ao voto se libertou gradualmente de diversas restrições: Nível de riqueza, instrução, género e até raça. Foi preciso esperar até 1906 para que a Finlândia (na altura um grã-ducado) fosse o primeiro país a instituir o voto universal e o direito das mulheres a serem eleitas.

O movimento pela universalização do sufrágio expandiu-se durante o século XX. Nos Estados Unidos, só depois de 1966 acaba plenamente a restrição racial e, hoje em dia, alguns grupos sociais ainda sofrem limitações. Duma maneira geral, já ninguém se atreve a considerar que um país sem voto universal seja uma democracia.

 Ao mesmo tempo, foi crescendo o direito de participação, através de mecanismos que servem de contraponto às limitações que o sistema representativo impõe ao pleno exercício da cidadania. No âmbito dessas restrições, por exemplo em Portugal, fiz algumas contas (ver: “Não foi eleito coisíssima nenhuma”) e concluí que os deputados do arco governativo são escolhidos por apenas 14.000 pessoas (o alargamento atual deste arco alterou o número, ainda que não significativamente).

Alguns dos contrapontos a esta limitação são elitistas: Conselhos de concertação social, audição de associações corporativas, de sindicatos etc. Outras são populares e, entre estas, o referendo é talvez o único instrumento efetivo. Por ser universal e implicar um processo decisório de temas concretos, não há, numa democracia de massas, mecanismo mais democrático do que o referendo para traduzir a vontade dum povo.

Isto leva-me de volta a Stephen Hawking e ao início deste artigo. Recentemente tivemos um referendo no Reino Unido de onde resultou a decisão de saída da União Europeia. Este resultado contrariou a visão e o interesse duma elite alargada que teme abalos potencialmente conducentes a um vazio que, para uns poucos, lhes ameaça a hegemonia política e social e, para a maioria, apenas o equilíbrio precário em que já se encontram. Depois disso, levantaram-se inúmeras vozes contra a real representatividade do voto expresso, sobraram as citações duma frase contra a democracia atribuída a Churchill e, na imprensa considerada séria e de regime, abundam artigos sobre como dar a volta a este resultado (ver por exemplo How to Stop Brexit no The Guardian), ao mesmo tempo que saem caricaturas sobre uma putativa ignorância e mudança de opinião dos eleitores.

Vendo estas reações, pergunto-me se, no percurso de expansão que vem do século XVIII, a Democracia não terá atingido o seu ponto máximo e se não estaremos a entrar num mecanismo de regressão. Se bem me lembro, o despotismo iluminado era, por definição, a ideia de que uma elite ilustrada saberia interpretar melhor do que o povo aquilo que ao povo convinha.

E no que respeita às conferências de Hawking, fico-me por esta. A seguinte é sobre buracos negros: Aqueles que têm uma atração tão grande que destroem tudo aquilo que se lhes aproxima.



Luís Novais


Foto: Geralt

Sem comentários:

Enviar um comentário