sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

A TAP E OS NEODEMOCRATAS CENSITÁRIOS



Foram precisos 153 anos para que a cidadania não se comprasse com impostos. Pedir que se pergunte ao contribuinte para legitimar decisões soberanas, é um retrocesso histórico de que os reclamantes não terão, talvez, consciência.

A garantia dada por António Costa de que o Estado controlaria 51% da TAP a bem ou a mal, reavivou um tema que o anterior executivo fechou de forma desastrosa. Não é nada transparente que um governo de gestão, a dias de sair, feche um negócio que se relaciona com a maior exportadora de Portugal, sobretudo sabendo qual era a opinião dos partidos que, com ou sem “geringonça”, formavam uma maioria no parlamento. Se alego apenas falta de transparência, é para não ir mais longe.

Uma empresa com a importância estratégica da TAP, para um país que é turístico e periférico, não pode ser tratada com uma leviandade destas. Estava visto que semeavam ventos e a tempestade aí está (a minha opinião sobre este tema já aqui a dei na devida altura).

O pior é que os defensores da privatização selvagem, usam argumentos que não vão além de estafadas considerações liberais que a realidade está farta de deitar por terra. Já era tempo para moderar o diapasão, depois do que nos aconteceu com a PT, o BPN, BPP, BES, BANIF e outros que para aí vêm; e isto  para referir apenas exemplos nacionais. A utopia liberal é como as demais, quando são geridas apenas com emoção e sem um pingo de racionalidade: Causam cegueira, em vez de indicarem caminhos.

Um dos argumentos em voga é arvorarem-se em donos do dinheiro dos contribuintes. As redes sociais andam cheias de frases do tipo “não quero que os meus impostos sejam usados assim”, ou “já alguém perguntou aos contribuintes se querem continuar a financiar esta empresa?

Não vou discutir a inverdade da última afirmação, porque a realidade é que não há dinheiro do Estado no balanço da transportadora aérea. O mais chocante nem sequer é esta falácia, se não a deturpada visão do sistema democrático revelada por tais argumentos.

Há décadas que andamos a privilegiar a formação técnica sobre a humanista, e a consequência é uma geração de tecnocratas que sabem fazer, sem perceberem porquê e para quê. Um dos resultados é esta ideia peregrina de ver o país como se fosse uma sociedade anónima em que, aí sim, o dinheiro é dos acionistas.

Os impostos não são de quem os paga mas do Estado, e quem legitima as decisões políticas relativas ao seu uso não é o contribuinte, mas o cidadão, através dos órgãos próprios.

Nem sempre foi assim, e tivemos um longo percurso até atingir uma democracia de voto universal. Durante muito tempo, os regimes liberais condicionaram o sufrágio, sobretudo em função de critérios fiscais, mas também de propriedade, de grau académico, de género, de raça e até de situação familiar. Portugal não fugiu a este modelo: A discriminação eleitoral no nosso país começou em 1822 e só terminou com a eleição da primeira assembleia constituinte em 1975, que foi a primeira a ser escolhida por voto universal direto.

Foram precisos 153 anos para que a cidadania não se comprasse com impostos. Pedir que se pergunte ao contribuinte para legitimar decisões soberanas, é um retrocesso histórico de que os reclamantes não terão, talvez, consciência.


Luis Novais

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