segunda-feira, 12 de outubro de 2015

DUAS SÉRIES (Fargo e Breaking Bad) E UMA REFLEXÃO

A pressão socialista que se acentuou na segunda metade de oitocentos e o terror à revolução bolchevique de 1918, com a consequente criação da poderosa União Soviética, fizeram com que o capitalismo se autorreformasse, em variantes social-democratizantes na Europa, ou de ascensão económica individualista nos Estados Unidos. No fim do século XX, a queda do muro de Berlim e a globalização financeira aliviaram esse pânico e fizeram com que a promessa de ascensão se limite hoje a um vago culto do empreendedorismo; estratégia individual que putativamente estaria ao alcance de todos e que a todos permitiria uma plena realização económica e, supõe-se, também humana.

Nos dias que correm, isto é tudo o que o sistema tem para oferecer a um grupo social que é naturalmente efervescente. Enquanto se acumulam os escândalos financeiros e de corrupção, resulta claro que vivemos numa estagnação proletarizadora dos escalões intermédios da pirâmide social: A anteriormente forte classe média, pouco mais futuro pode antever do que uma luta diária pela mera sobrevivência, à espera duma reforma  incerta e recortada.

Cada vez mais novos sabemos aquilo que vamos ser em velhos, e isso matou a esperança, essa grande dinamizadora do progresso e da paz social.

Atravessamos tempos muito parecidos com os de Rodión Raskólnikov, esse anti-herói que Dostoievski retratou em “Crime e Castigo”, e que a custo conseguia manter as aparências duma classe média cuja ascensão estava vedada pela aristocracia rentista, a mesma que açambarcava zelosamente cada migalha dum regime já então em plena decadência.

Esta reflexão é-me suscitada porque comecei agora a ver essa série que adivinho excepcional: “Fargo”, de Noah Hawley. Uma opção que se segue a ter devorado todos os capítulos de “Breaking Bad” de Vince Gilligan. As duas séries revelam como dois homens, ambos de meia-idade, ambos de classe média e ambos falhos de sonhos, rompem a barreira da inevitável decadência, através do poder psicológico que lhes é dado pela prática quase casual dum primeiro crime, que suscitará uma cascata incontrolável.

São personagens que têm tudo a ver com Raskólnikov, um pobre-diabo que se engrandece pelo materialmente desnecessário e cruel assassinato de Ivánovna, a desprezível usurária.

Tal como em “Crime e Castigo”, a generalidade do público vai gradualmente empatizando com os dois criminosos, e o êxito destas séries deveria fazer-nos refletir sobre o abismo para que se dirige o nosso modelo social. Apesar dos devaneios libertários e maçónicos de Pedro, o personagem que Tolstoi tão bem desenvolveu em “Guerra e Paz”, sabemos o fim para que caminhava a sociedade Czarista. E nós?


Luís Novais

Uma nota a 2 de Agosto de 2016: Depois da vaga de atentados que estão a varar a Europa e os Estados Unidos, pergunto-me se o êxito destas séries não seria anunciador do que aí vinha. Teremos de retornar ao velho Dostoievski e a "Crime e Castigo" para perceber as intrincadas motivações de tudo isto?... 

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