sexta-feira, 24 de maio de 2013

Arequipas III

O que é viver, se não
...estar?
...tempo?
Tempo que não foi,
que não será.
O que é viver, se não
...passar
...fugir...
desse que não é?
Ser em não ser.
Viver é desviver.

Arequipas II

Pela porta da picanteria
vejo imagens que passam.
São imagens,
não são gente.

Ilusões,
não carros ou rafeiros;
imagens que olho,
entre tudo que não vejo.
Ideias que sinto,
que faço,
entre tudo que é
sem que para mim seja.

Pela porta da picanteria,
enquanto espero
o tempo
que não vejo,
o eu que sinto:
imagem de mim,
não eu.
Apenas o que sinto.
Ilusões
com que d'eus
faço mim.

Arequipas I


Escrevo para esvaziar
vazio que sinto,
para deitar
este nada interior.
Enchendo-me de vazios
me esvazio.

Ilusão de vida!

Estar vivo é uma ideia,
vazia,
cheia de nada,
que gota-a-gota,
segundo-a-segundo:
desvivendo, vivemos.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

CONTINUADAS AMAZONAS



Vã tentiva poesia,
de criação igualar;
de finita criatura
pés em pontas
à criadora copiar.

Poesia que seja,
em água e vento é;
em pedra e fogo está:
vida deu
vid'aquece.

Essa força que é,
que d'inerte em mistério
a vivo passa,
que d'inerte vivo faz.

E de seus frutos
gente nasce
e de gente nascida
poesia está.

Mole de água.
Despenhante montanha.
Rio qu'é mar,
a guerreira
seu nome buscar:
                AMAZONAS
De viril força mulher:
gente poesia faz.
E de tal poesia:
força bruta.

Viver!

Mistérios insondáveis;
mãe d'água,
vida,
equilíbrios constantes,
natureza em gente
que se faz retorno.
E esse mistério vida,
a quem o vê oculta,
a quem o quer mostra.

E a mim me mostrou.
E a mim me mostrou.
                AMAZONAS  

domingo, 5 de maio de 2013

Não Foi Eleito Coisíssima Nenhuma


Fui surpreendido por uma ligação no Facebook onde o Dr. Gaspar, respondia nestes moldes a uma interpelação da deputada Ana Drago: “A Sra. deputada disse coisas em que se mostra muito confusa. Por exemplo, disse que eu tinha sido eleito. Eu fui eleito coisíssima nenhuma”.

De pronto, alguns puristas da linguagem jurídica argumentaram-me que Sua Excelência tinha toda a razão, pois quem é eleito são os deputados e são estes que sustentam os membros do governo.

Passo ao lado da distinção entre linguagem política e linguagem jurídica e do óbvio significado político implícito na gasparina resposta, ainda que esse significado  possa ter sido inconsciente, como estou certo que foi.

Como disse uma amiga: quem transita diretamente do Banco Central Europeu para o Ministério das Finanças, terá clara tendência para se sentir acima do povo.

Tudo isto, em suma, teve o condão de me fazer refletir sobre a real representatividade da nossa democracia, o mesmo é dizer que sobre a sua qualidade.

Analisemos a situação,  desde a base até ao topo. Cerca de 9,5 milhões de eleitores portugueses são chamados regularmente a eleger 230 deputados, num processo em que mais de 42% se abstém ou vota em branco . Segundo os defensores do sistema, com esta base de partida estaria garantida a soberania popular.

Adiante.

De entre os 230 deputados eleitos por este processo, um mínimo de 116 suporta um governo constituído por alguns ministros: atualmente 11. Estes 11 ministros, cuja legitimidade democrática é indireta, nomeiam um determinado número de titulares de cargos dirigentes da administração pública e de empresas estatais. Ninguém sabe dizer ao certo quantos, mas só de lugares vagos em Julho de 2011, segundo a Associação Transparência e Liberdade, eram 1200… e estes eram apenas os que estariam vagos à data. Além destes cargos de nomeação direta, há também uma série de outras funções que, aliás, são bem mais interessantes para os respetivos laureados: contratos de assessoria, trabalhos técnicos, pareceres, elaboração de relatórios, advogados…

Mas isto não acaba aqui.

Em Portugal há 308 câmaras municipais, das quais 272 estão nas mãos dos partidos que passaram pelo governo nos últimos 37 anos: o PS, o PSD e o CDS. Suponha-se que nessas autarquias há uma média de 4 vereadores ligados aos partidos que as controlam: ficamos com um total de 1088 . Suponha-se ainda, em contas por baixo, que entre serviços diretos do município e empresas ou fundaçõess, cada um desses vereadores nomeia 10 pessoas. A conta é fácil: orçamos um total de 10.880 nomeações .

Se a estas últimas somarmos o tal número muito mínimo de 1200* governamentais, chegamos à seguinte conclusão: PS, PSD e CDS nomeiam um mínimo de 12.000 pessoas de confiança política. Adindo-lhes aqueles que são realmente eleitos (1088 vereadores e 116 deputados), concluímos que os profissionais da política ligados aos partidos do arco governativo, serão uns 13.000, no mínimo e, no máximo, bastante mais. De saber empírico, acrescente-se que a quase totalidade são militantes desses mesmos partidos.

Voltemos agora à legitimidade democrática, ou seja, à fé de que, no sistema atual, o poder está emanado do Povo.

Em Portugal, só os partidos se podem apresentar a eleições legislativas. Ou seja, os tais 230 deputados em que assenta a legitimidade indireta para suportar Vitor Gaspar e os restantes 10 ministros, apenas podem ser alvo de escolha popular desde que integrando uma lista apresentada por um partido.

A crer nos dados disponíveis, há neste momento 325.502 portugueses que tomaram a opção de se filiarem numa organização partidária. Entre estes, 180.194 estão nos tais três partidos que são governo desde 1976.

Não é preciso conhecer muito do funcionamento da vida partidária em Portugal, para saber que a esmagadora maioria destes 180 mil, são militantes inativos, sem qualquer participação na vida partidária, alguns nem se revendo na respetiva ideologia. Uns entraram num dia longínquo “porque sim” e deixaram-se estar por inércia ou desinteresse; outros, a maioria, apenas se filiaram porque um vizinho, um amigo, ou alguém a quem um dia “meteram uma cunha”, lhes pediu que o fizessem. Estes últimos não contam para nada, a não ser para formarem uma mole, sem espírito crítico, de votantes obedientes ao seu cacique e que, de tempos a tempos, são chamados à maçada de votar em eleições para um órgão do partido, pondo a cruz a pedido do tal filiador que, geralmente, até lhes paga as quotas anuais.

Digamos que, verdadeiramente empenhados na vida partidária, são um 5 a 10% dos militantes; isto é, 9 a 18.000 entre os que pertencem aos partidos do arco governativo. O número é exagerado, mas suponhamos que é este.

Aqui fecha-se o círculo e dá-se razão a Vitor Gaspar: “Não fui eleito coisíssima nenhuma”. Pois não, nem na hermética linguagem jurídica, nem sequer na linguagem política. Não foi Vitor Gaspar, não foram os deputados, não foi ninguém.

Por via do monopólio partidário, apenas 9 a 18.000 portugueses, que pertencem aos partidos que nomeiam um mínimo de 14.000 titulares de cargos públicos, decidem quem são os 116 deputados que dão suporte aos Vitores Gaspares de Portugal.

Em conclusão: quem escolhe os deputados que aparentemente o povo elege, são pouco mais do que as 14.000 personalidades a cuja nomeação para diversos cargos esses mesmos deputados virão depois a dar legitimidade aparente…

São apenas 14.000 almas, são o equivalente a uma vila do tamanho de Alcácer do Sal. São eles quem decide aquilo que, apregoadamente, seriam 9,5 milhões de portugueses a decidir: a composição da base de toda a legitimidade política em democracia representativa, o parlamento.

E tudo sobe mais um degrau, quando pensamos que os sistemas eleitorais na Europa são idênticos ao nosso e que são os tais não eleitos "coisíssima nenhuma" de toda a comunidade, os ministros, quem elege os comissários europeus que (des)governam esta (des)União Europeia. Ou seja, esses mesmos comissários que depois dão putativa legitimidade “democrática” à escolha dos titulares das instituições comunitárias, como sejam os membros do Banco Central Europeu, esse tal banco a que o Dr. Gaspar também pertenceu antes de nos vir governar. E quando não são os comissários, são, uma vez mais, os ministros "eleitos coisíssima nenhuma" dos governos nacionais.

Definitivamente, o Dr. Gaspar teve uma epifania e, por uma vez, acertou: nem ele foi eleito, nem quase ninguém em Portugal.

É em nome desta falsa representatividade que temos  vindo a ser governados e empurrados para o precipício em que nos encontramos. Do mal, o menos e, engano por engano, antes o menor deles: mais honestos eram os monarcas absolutos de antanho que, sem fazerem complexos artifícios legitimadores, governavam assim, porque Deus queria que assim governassem.


Luís Novais
luis@novais.eu

* Já depois deste escrito, o Diário de Notícias informava, a 2 de Junho, que "Desde que tomou posse Governo já nomeou 4.463 pessoas", ou seja, quase o quadruplo das que eu calculava, assumidamente por baixo. 

sábado, 4 de maio de 2013

O que é uma Nação?

Relido Hans Enzensberger, hoje andei com um tema a dançar-me na cabeça: O que é uma nação? Diz o poeta  alemão que, “quanto mais um fenómeno é geral, quanto mais fundamental, mais a sua conceptualização é vaga. Todos (e ninguém) sabem explicar o que é uma nação (ainda que cada um o faça de uma forma diferente)” (“Política e Crime”).
A epifania surgiu-me com este postulado: “Uma nação é o consenso de si mesma”.

PS: Uma definição que, afinal, dá razão a Enzensberger nas suas conclusões gerais. Pelo menos aproxima-se de outra muito famosa e que ele também refere por redonda: "Eu sou Aquele que é"

LN