sábado, 8 de setembro de 2012

Pathos e Catarse na Comunicação de Ontem



Nas redes sociais assiste-se a um avolumar da revolta que vai sair caro a este governo e sobretudo a Portugal. Quem analisar os comentários e tiver amigos de várias vertentes políticas, como sucede ser o meu caso, percebe que a tensão é muita e, quando explodir, aqueles que seriam a base de apoio dos partidos no poder estarão desmoralizados, incapazes de reagir, quando não também eles extremamente revoltados.  
 
O anúncio de ontem não contribuiu em nada para inverter esta situação, nem no conteúdo, nem na forma.
Quanto ao conteúdo, nem é necessário dizer porquê, mas lá poderá o Governo dizer que não tem alternativa. Quanto à forma, essa sim poderia e deveria ser diferente. Caramba, desde que os gregos criaram a tragédia, sabemos que o pathos (sofrimento) antecede a catarse. Um mecanismo que Sócrates (o que acreditava na Verdade e não o outro) bem explicitou quando lhe soltaram as correntes com que o prendiam, nesse dia em que tomou a cicuta: “que extraordinária coisa é aquilo a que os homens chamam prazer. Em consequência da cadeia, sentia na minha perna a dor, mas agora vai o prazer tomando o lugar dela” (“Fédon”). Ou seja, o prazer pode ser resultado da ausência de dor.
Esta descoberta, que já tem mais de 2.500 anos, criou um modelo para a ficção e para a comunicação: criar tensão, para que a distensão seja catártica. Sabem disto qualquer caloiro de comunicação e qualquer roteirista de telenovelas. Para o contrário, provocar o pathos depois da catarse, só encontro um nome: sadismo. Uma técnica que usam muito os outros roteiristas, os de filmes de terror.
Posto isto, se não concordo com o conteúdo daquilo que o Primeiro-ministro anunciou ontem, quanto à forma não a entendo mesmo. Começou pela catarse (devolver um subsidio aos funcionários públicos), para em seguida disparar com o pathos (um aumento de impostos que vai levar tudo o que acabara de se oferecer). Que se pretendia? Terão os comunicadores de São Bento a ingenuidade de pensar que conseguiriam iludir a realidade? Que todos os funcionários públicos sairiam a festejar e que não perceberiam que afinal ficava tudo na mesma?
Esta crença na ilusão da palavra não é uma originalidade nacional. Os políticos estão atacados por esse vírus que criou a crise da pós-modernidade: deixaram de acreditar na transcendência da Verdade, a verdade passou a ser a palavra e aquilo que pela palavra possa ser transmitido, um modelo que tem origem nessa famosa ideia de Walter Lipmann: “há que fabricar o apoio”.
Sócrates (agora o José) era mestre nesta técnica, que em linguagem popular se resume na ideia de que a mentira repetida  10 vezes se transforma em verdade. Quanto ao exercício de ontem, foi tão rocambolesco que chegou a ser uma caricatura.
Obviamente que ninguém se deixou enganar. Parece que, de tão usada, a técnica se gastou a si mesma. Ainda bem. Tenho agora esperança que o cansaço das consciências que consentem obrigue a que a Verdade volte a ser.

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