quarta-feira, 8 de junho de 2011

Comunicado

Comunicado


Comunico que morri,
que me morri.
Não sei s’em morto eu
morto será o “eus” também,
se mortos serão todos:
esses que são eu.

Ou se morto é este só;
o tal que se diz mim.
Mas que morri morri,
ainda que d’eus todos
possa eu só morrer.

Sorte tantos ser ou ter
qu’assim morrer m’é morrendo.
Morrem os eus morrendo,
cada eu num instante.

E agora penso:
poderei morrer,
se em letras não repouse?
Sem linhas para quês?
Sem linhas de porquês?

Por isso não morro.

Letras não escrevo,
que s’as escrevo
já matar me não mato.

Matar não me mato,
que morrer não posso
se escrever não escrevo.

Escrevo-as. Escrevi-as.
Oiço toque que toca:
alguém que me chama.
Sei quem é, o que é.
E quero morrer,
novamente morrer;
comunicar que morri.

Mas chamam-me
e já não posso morrer,
que nestas letras pousei
tantos para quês
em porquês não destilando.

Errata:

Comunico que vivo,
que me vivi.
Do eu que morri,
em vivo me fiz.
Vivos serão todos,
os que mim se dizem?
Não. Algum terá morrido,
desses que vivos se crêem.
Todos lá chegarão,
e de tanto lá irem
já de lá sem regresso.
E não restará um,
nem um, para voltar
e comunicar que vive.

Aí, ai aí sim, aí morri;
sem que possa sequer dizê-lo: morri.
É isso o morrer:
é não poder dizê-lo
é não poder escrevê-lo.

E assim morro sem morrer:
Comunico que me morri
morrendo me vivi.

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