segunda-feira, 11 de março de 2024

DE ONDE VEM E AONDE CHEGARÁ O CHEGA?

Pedro Nuno Santos disse, e bem, que quase 20% dos portugueses não são fascistas nem xenófobos. Afirmou também a necessidade de entender as causas do seu descontentamento e reconquistá-los. Esta é a atitude correta e só teremos pós-Chega se os lideres dos partidos que construíram a Democracia segurem esta via.

A análise do recente resultado eleitoral está naquela fase que mais gosto, que é a da formulação de hipóteses, essa que António Damásio considera ser a intuição do cientista. Depois deste momento da inspiração, certamente virão os trabalhos de campo, os grupos de foco, as amostras, as entrevistas… todos esses métodos que a ciência social criou para, também ela, encontrar regularidades e transformar num cosmos possível esse caos que é o ser humano.

Procurarei neste artigo formular algumas hipóteses meramente intuitivas sobre as causas do terramoto político que foi a subida do partido Chega, assim como fazer alguma  sociologia das interpretações, neste último caso já com alguns dados muito preliminares de campo.

Eclético que procuro ser e realmente centrista, consigo estar bem nos grupos de direita e de esquerda, ouvir ambos e dialogar com uns e com os outros. Estas apenas 24 horas já me permitiram sistematizar algumas das explicações que estão a ser dadas e, mais do que aderir a alguma delas, fazer a respetiva sociologia.

Por que subiu tanto o Chega?

Um amigo votante à esquerda e parte da classe média com formação superior, com emprego garantido e todas as respetivas conquistas socio laborais, acusava aquilo a que chamava “a oligarquia do sistema” de ter orquestrado tudo, manipulando a Comunicação Social e fabricando sondagens. É uma típica teoria da conspiração frente à qual lhe disse que tal oligarquia, a existir, era aquela a que ele mesmo (e já agora, eu) pertence, ou, pelo menos, aquela que a massa eleitoral do Chega vê como tal.

Na minha perceção (e aí vai a formulação de hipótese) os apoiantes deste partido são aqueles que não têm trabalho seguro, não fazem descontos, não recebem subsídio de desemprego, férias pagas e subsídios em julho e dezembro; tampouco têm relacionamentos pessoais relevantes que os ajudem a resolver alguma situação complicada. Vivem numa mole de instabilidade e olham até para o tradicional operário sindicalizados e com direitos laborais como uma classe privilegiada à qual gostariam de pertencer. Para eles, PS e PSD são os mesmos de sempre, que se aproveitam e lhes bloqueiam o acesso àquilo que consideram ter direito. Bloco e Livre são “copinhos de leite” burgueses urbanos a lutar pelos privilégios que recebem dos seus empregos de classe média licenciada. O PCP é o protetor dos “proletários”, base social do sistema, para eles privilegiada e a partir a partir da qual se forma a fronteira entre o mundo dos outros e o seu próprio.

Não é por acaso que o Chega atingiu o seu melhor resultado no Algarve, reino do emprego sazonal, da instabilidade no trabalho e da falta de direitos laborais. Este distrito é precisamente aquele onde esta sociologia do Chega se aplica na perfeição. Creio ser por isso que aí teve aí este resultado e trata-se de um laboratório do que poderá ser este modelo de desenvolvimento, assente no turismo e no trabalho precário.

Para uma sociologia das interpretações

Como disse, procuro ser eclético e tenho um posicionamento político alinhado ao centro, que aliás é o que me faz votar no PSD. Isto permite-me estar a meio caminho entre posições de direita ou de esquerda e, sobretudo, ouvir a ambas.

Aparte o excelente discurso de derrota proferido por Pedro Nuno Santos, creio que, na maioria, ainda todos usam o Chega mais para defender as suas próprias posições, do que para analisar fenomenologicamente as razões do eleitor deste partido.

Dou apenas dois exemplos, mas poderia dar muito mais:

1. Num grupo de esquerda acusava-se o PS de ser o responsável por esta  situação, porque teria desinvestido nos serviços públicos, ao invés de aumentar a respetiva quantidade e oferta. Normalmente acrescenta-se um suposto maquiavelismo do Presidente da República. Ou seja, a culpa seria do Governo por ter sido excessivamente liberal, argumento que se apimenta com a crença numa manipulação vinda de Belém e, também, da imprensa.

2. Em grupos de direita dizia-se que não, que os eleitores do Chega eram “pessoas como nós”, que antes votavam no PSD e no CDS, empresários  e quadros superiores que estavam fartos da excessiva carga fiscal, que são também contra a chamada “ideologia de género”. Ou seja, o problema seria a falta de liberalismo e putativos excessos nos costumes. Este argumento também leva o seu tempero, normalmente culpando-se a Comunicação Social (bombo para as festas de uns e outros) e os comentadores que, à direita e à esquerda, fariam o jogo desta última.

Com algumas variações, vi este tipo de argumentação disseminado, respetivamente à esquerda e à direita. O interessante destes argumentos é que também eles têm uma sociologia. Primeiro, ambos os grupos procuram usar o Chega para defender que o que faz falta são mais políticas daquelas em que cada um acredita: mais serviços públicos e mais Estado, num caso, menos impostos, mais liberalismo e uma moral conservadora, no outro.

Também é interessante verificar que vivemos em bolhas sociais que passamos a considerar a realidade. Creio que a massa de votantes no Chega é aquela que referi (os excluídos do sistema), mas como esse grupo não está entre as relações diárias e de amizade daqueles que têm um pensamento estruturado e uma posição social de algum conforto, que são os que sabem usar o “poder simbólico” da linguagem e expressar corretamente uma linha de pensamento, tendemos a confundir os relacionamentos pessoais com a realidade e a dar àqueles de entre as nossas amizades que votaram neste partido, uma importância eleitoral que a meu ver não têm. Claro, repito, que estamos ainda no domínio das perceções e da formulação de hipóteses e todas as visões são válidas enquanto não tivermos trabalhos de campo.

A negação

Uma última palavra para referir aqueles que não têm nenhuma destas interpretações, mas apenas veem o Chega como um bando de fascistas e racistas, uma praga de infra humanos que que nem querem ver e que apagam das suas amizades no Facebook. Para estes, o Algarve tornou-se num reino maldito.

Considero que esta é a atitude mais perigosa, por ser de negação e uma recusa de compreender o fenómeno. Pedro Nuno Santos disse, e bem, que quase 20% dos portugueses não são fascistas nem xenófobos. Afirmou também a necessidade de entender as causas do seu descontentamento e reconquistá-los. Esta é a atitude correta e só teremos pós-Chega se os lideres dos partidos que construíram a Democracia seguirem esta via.

Aparentemente o PS já está a aprender e vai por aí, espero que o meu partido e o seu líder, Luís Montenegro, não fiquem excessivamente absorvidos pela governação e não consigam fazer o mesmo, ou acredito que teremos surpresas desagradáveis nas próximas eleições, provavelmente antecipadas.

 

Luís Novais


Foto: Leopictures por Pixabay

quinta-feira, 9 de março de 2023

EL PERU Y LA UNIÓN EUROPEA

 

Esta semana fui invitado a participar en una reunión del grupo EUROLAT del Parlamento Europeo, para hablar sobre los conflictos que hemos estado viviendo en el Perú y de sus causas.

Defendí que, si bien es cierto que todo comenzó con la tentativa de golpe de Estado de Pedro Castillo, los verdaderos motivos de toda esta situación son mucho más profundos y se relacionan con factores histórico-sociales, con factores internacionales, con la dificultad en lidiar con la diversidad étnico-cultural y con la misma organización del Estado.

Tuve oportunidad de desarrollar cada uno de estos temas. Sin embargo, en la sesión de preguntas aquella en que los diputados europeos más insistieron fue esta. “¿Qué puede hacer Europa?”

Comencé por decir que el Perú no necesita del tipo de apoyo normalmente más pedido, que es el financiero. El país tiene una macroeconomía fuerte, una balanza comercial positiva e el Estado cuenta con 70,000 millones de dólares de fondos soberanos, que no logra invertir, debido a la inestabilidad política y también a una legislación laberíntica.

Si Europa no necesita apoyar financieramente, hay con todo muchas cosas que puede hacer en el dominio de la transferencia de políticas y de conocimiento.

El Perú es una pequeña Europa. Territorialmente tiene cerca e un tercio del espacio de la Unión Europea e culturalmente, tal como esta, una enorme diversidad, espejada por ejemplo en sus 47 lenguas.

Ahora bien, después de siglos de supremacía occidentalista y de racismo, en la década de 1960 surgen los modelos multiculturalistas, que buscaron afirmar el derecho y el respeto por la diferencia.

El multiculturalismo surgió con la buena intención de asumir la diversidad, de retirarla del silencio histórico y de contrariar la supremacía de un grupo sobre los otros. Pero su aprovechamiento como producto político contribuyó a cerrar las diferentes culturas en si mismas, generando barreras en vez de interconexiones. Por lo tanto, es preciso que sea sustituido por una interculturalidad que tienda puentes y no desconfianza entre peruanos. Pero esta, si ya es parte del léxico académico y político, está aún muy lejos de ser construida.

En mi opinión, es precisamente en este dominio que la Unión Europea puede apoyar al Perú. La construcción de Europa es un caso de suceso de diálogo entre naciones y culturas que se guerrearon durante siglos. Teniendo el Perú un problema con la difícil gestión de su diversidad, esta experiencia puede ser de gran utilidad.

En ese sentido, tuve la oportunidad de hacer una sugerencia muy concreta. En Europa existe un programa de movilidad de universitarios conocido como “Programa Erasmus”. Este instrumento permite que estudiantes de todas las universidades europeas puedan estudiar durante un año en cualquier otra fuera de su país.

El Perú tiene cerca de 1,4 millones de estudiantes universitarios. Pero, quien conoce la realidad nacional sabe que la mayoría ingresa a universidades de su misma región y intenta después encontrar trabajo cerca del local en donde nació. O sea, el desarrollo de la interculturalidad en los más jóvenes, a través de una circulación entre universidades de distintas regiones, podría ser una oportunidad que se está perdiendo.

Todos los europeos conocen el “Programa Erasmus”, lo que hizo y lo que sigue haciendo por la creación de un espíritu europeo. En mi opinión, aquello de que el Perú más necesita en este momento es de crear un espíritu peruano, en donde las diferencias sean asumidas y aceptadas, pero no se transformen en barreras al otro.

El conocimiento que la Unión Europea alcanzó en la construcción de puentes entre sus naciones puede, así,  ser su mayor contribución al Perú.

 

Luís Novais


Foto: Guillaume Maurice

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

ENTRETANTO,

palavra total
tudo a tudo resume.
Comemos,
e entretanto,
Escrevemos,
e entretanto.
Sonhamos
e entretanto.
Entretanto outros escrevem,
quando comemos
Outros comem,
quando sonhamos
Outros sonham  seus sonhos,
quando sonhamos os que são nossos.
 
Da experiência que experimentamos
sai-nos o comer, a escrita e o sonho.
De nada mais.
Nada alcançamos,
porque tudo o que sabemos
sabemos em nós.
Esse saber de entretanto,
apenas connosco convive,
não com aquilo e menos com Aquele que É.
 
Somos ilhéus
e a mais não chegamos,
apenas concluir esse mar como ponto final.


Luís Novais















Foto: AJS1

sexta-feira, 4 de novembro de 2022

ETERNO

 


















Olho
e numa ilusão
tudo aparece.
Não acontece
o que não acontecendo
parece acontecer.

Olho, olho à volta.
Tudo vejo
e nada é.
(Aparência)
Busco,
pelo ver e pelo sentir, busco.
que nem vejo nem sinto.
Exceto nos olhos,
exceto no tato.
Não os tivesse,
não buscaria.
Se nada É
além da pele,
então nada existe,
menos o nada, Nada!
Nem o que sinto,
nem o que pressinto.
O nada não é,
nada é nada,
tudo é nada.
Não existo,
fora do que vejo e no que vejo.
E o que vejo
inexiste, menos eu:
Não é.
E se não é, não sou.

(perdido, procuro perdido)

Do nada que sou
algo fica, de humano ou químico,
que químico ou humano
mudará os que serão.
Sejam gente, seja matéria.
Sejam gente que será matéria,
sejam matéria que será gente.
Não existir é existir.
(eternamente).

É eterno o dono da tabacaria,
eterna a tabuleta,
eternos os versos,
eterna a rua,
eterna a língua,
o planeta,
os satélites,
até a metafísica
daquele que a não tem.

Mesmo quando não sejam,
são eternos.
Mesmo não havendo quem os veja,
eternos.
Eternos até quando ninguém esteja,
nem neste, nem noutros sistemas.

A pele ou foi antes ou foi depois do Ser,
Mas o Ser é antes do não ser.
Então É,
mesmo o nada É nada.

Então, sou.
Então, serei.


Luís Novais

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

“VERDADE”

O que é a verdade
se não o invisível do visível?
Aquilo que não vemos nem sentimos,
atrás do que se sente e vê?
Quando se veja,
então já não É.
Se da terra vemos céu,
estrelas, galáxias;
ver não é saber, e menos Ser.
 
Quando alcançamos
(e se alcançamos),
o firmamento é sempre mais.
E então nunca chegamos.
A verdade sempre oculta,
sempre falsa quando se mostra.
E a ciência que procura
sem nunca lá chegar,
nem é luz,
nem é noite:
É o Nada e não nada.
 
Verdade não há outra,
além da não revelada.
Que nos interroga,
sem responder.
Onde se oculta?
Não há engenho ou saber,
não há branco nem negro,
menos cinzento.
Verdade é uma só,
 
mas apenas lhe chamam arte.
 
 
Luís Novais

sábado, 21 de agosto de 2021

AFONSO HENRIQUES

No pecado,

força de Ser.
À sombra de uma azinheira,
com seu fruto pecamos.
Pecado com castigo,
culpa nos une.

Já submissos,
nós, anti-humanos,
humanos fazemos.
 
Também por pecado teu,
que à Mãe enfrentaste:
Não nos liga destino,
mas castigo comum.
As nações todas não são mistérios,
todas pecado.


Culpa!


De natureza primeiro nos destaca.
E de gente; depois também.


Luís Novais 


sábado, 12 de dezembro de 2020

POEMA VAZIO

Este é um poema vazio,

tem letras por ilusão.

Um poema do nada,

tanto que nem poema será.

Não dá,

como não tira.

Não acrescenta,

não diminui.

Não faz saber,

e menos ignorar.

Um poema vazio,

que não é poema,

numa página cheia de nada.

Será inteiro o que não vemos?

O Ser que somos.

Vazio aquilo que vemos?

Este é um poema que não se vê,

numa página que vemos cheia.


Luís Novais